4:13: Não queremos, porém, irmãos, que sejais
ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais como os
outros que não têm esperança.
“...ignorantes...”
No grego é “agnoeo”, “não saber”,
“ser ignorante” ou “não compreender”.
Muito provavelmente Paulo escrevia aqui
em resposta a perguntas que lhe tinham sido feitas, ou mediante alguma carta,
ou oralmente, por intermédio de Timóteo. Os crentes tessalonicenses tinham
várias ideias errôneas sobre a natureza e a significação da segunda vinda de
Cristo. É até mesmo possível que alguns deles, tal como entre alguns de
Corinto, duvidassem da realidade da ressurreição dentre os mortos, embora não
pareça ter sido esse o principal problema dos tessalonicenses. Alguns pensavam
que a vida em Cristo de alguma maneira dependia da sobrevivência do corpo
físico até ao arrebatamento, ou então que alguma ressurreição distante e remota
seria dada aos “crentes mortos”, ao passo que os crentes vivos, por ocasião do
retorno de Cristo, seriam imediatamente glorificados; e talvez também
imaginassem que os crentes mortos receberiam uma espécie de glorificação
inferior, em relação à ressurreição dos crentes vivos, como uma menor
participação no avanço espiritual representado pela “parousia” ou retorno de
Cristo. Para esses, a morte física era um rebaixamento da esperança cristã. O
apóstolo dos gentios, entretanto, deita por terra essas ideias errôneas. Tanto
os crentes “vivos” quanto os crentes “mortos” compartilharão igualmente glórias do Senhor Jesus, já que possuem
a mesma esperança, ainda que esta venha a cumprir-se no caso deles, de maneira
levemente diferente para uns e para outros. Não há que duvidar que o apóstolo
Paulo tinha instruído aos crentes tessalonicenses acerca dessa doutrina; mas
ainda não tinham tido eles o tempo de absorver corretamente suas instruções,
pelo que não possuíam ainda o conhecimento espiritual e mental que deveriam
possuir sobre esse aspecto escatológico da experiência da igreja.
“...dormem...”
Temos aqui um eufemismo para os crentes que “faleceram”. Trata-se de eufemismo
comum em muitas culturas, tanto antigas como modernas, porque, sob um exame
superficial, a morte física se assemelha a um sono profundo. Além desta
passagem, em seis outros trechos de Paulo figura essa expressão. O Senhor Jesus
também empregou esse eufemismo, conforme se vê em João 11:11.
O verbo “dormir”,
usado nas Escrituras, em algumas acerca da natureza da morte física, não tem
por intuito ensinar coisa alguma acerca da natureza da morte física. Trata-se
de um simples eufemismo para indicar a morte. Por exemplo, não há apoio
teológico algum para a doutrina falsa do
“sono da alma”, em existência ativa, após a morte física. (Ver Fil. 1:21,23; II
Cor. 5:7). Essa expressão continua sendo usada comumente por pessoas que crêem
que a pessoa real sobrevive à morte física, em forma de espírito, dentro de um
nível espiritual da existência, mas sempre como eufemismo para indicar a morte
física.
O uso que se faz dessa expressão, nos
escritos sagrados, mitiga a gravidade da morte física, mostrando-nos as
seguintes verdades. 1. A morte física é inconseqüente; 2. Esse sono é
temporário, porquanto haverá o grande despertamento para a vida eterna; 3. Há
algo de descanso, até mesmo na morte, já que então o crente cessa de sofrer
dores e tribulações, mas entre numa fase serena, como se fosse um sono
tranqüilo. Portanto, a morte física não deve ser temida, pois, em última
análise, a morte não mata.
“...
os demais que não têm esperança...” Esses são “os de fora”, que ainda não
tinham confiado em Cristo, sem nenhuma certeza que a morte física leva o crente
a uma existência melhor. Antes, os incrédulos vivem sujeitos ao temor da morte
durante toda a existência terrena (ver Heb. 2:15), pelo que também se sentem em
triste escravidão. Os tais vivem tão ocupados com a carne que pensam que todo o
significado da vida está vinculado à matéria, pelo que também o pensamento da
morte remove deles qualquer esperança de bem-estar espiritual.
“...não
têm esperança...” A palavra “...esperança...” pode ser usada “objetiva” ou
“subjetivamente”, respectivamente indicando “aquilo que é esperado” e “a
disposição da esperança”. O crente exerce uma expectação presente, a esperança
por um melhor mundo vindouro, no qual a salvação será levada à “plena
concretização”. Desta concretização é que consiste a esperança que temos como
uma das virtudes cristãs cardeais. Os incrédulos não têm nem uma coisa e nem
outra, embora possam substituí-las por outras coisas. Mas o apóstolo dos gentios não reconhece aqui qualquer
substituto, dando a entender que aquele que não tem Cristo não pode ter
autêntica esperança, até que entregue sua vida às mãos de Cristo, que é a
grande esperança da humanidade. (Essa ideia pode ser confrontada com a passagem
de Efé. 2:12, que declara: “...naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados de
comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança,
e sem Deus no mundo”).
Como confirmação da declaração de Paulo,
neste ponto, consideremos o exemplo seguinte de total ausência de esperança
pagã, em um papiro pertencente ao século II D.C. (em Deissman, Light, 164): “Irene, a Taonofre e Filo,
bom consolo: Fiquei triste (mesma palavra usada neste texto) e chorei pelo que
partiu, ao chorar por Dídimo. Fiz tudo quanto era apropriado, como também
Epafrodito, Termutiom, Filiom, Apôlonio e Plantas. Porém, contra tais coisas
ninguém pode fazer coisa alguma. Portanto, consolai-vos uns aos outros”.
Essas palavras podem ser contrastadas com o
que disse o apologista cristão, Aristides, que viveu mais ou menos na mesma
época: “E se qualquer homem justo dentre eles (entre os cristãos) se vai deste
mundo, regozijam-se os crentes e dão graças a Deus; e escoltam o corpo como se
ele estivesse sendo transportado de um lugar para outro lugar próximo”. (Pais Antinicenos, IX, 277, Kay).
“Paulo proíbe a eles (aos crentes
tessalonicenses) de se lamentarem como os incrédulos, os quais dão livre vazão
à sua tristeza, porquanto consideram a morte como a destruição final, imaginando
que tudo quanto é tirado do mundo, parece”. (Calvino, in loc.).
“Pois podem pôr-se e levantar-se novamente.
Quando se põe nossa breve luz, permanece uma noite ininterrupta de sono”. (Catulo).
“Não faças pouco da morte diante de mim.
Prefiro ser na terra servo de outrem, homem de poucas terras e de poucos
recursos, do que ser príncipe sobre todos os homens, que se reduzem ao nada”.
(Aquiles na Odisséia, de Homero).
Vários dos filósofos, principalmente Platão,
perceberam a grandiosa esperança da vida imortal; mas não vincularam a ela os
“meios”. No entanto, o cristianismo liga à esperança da imortalidade os “meios”
apropriados, isto é, Cristo Jesus, cuja vida haveremos de compartilhar
plenamente.
“Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde
está, ó morte, o teu aguilhão?” (I Cor. 15:55).